“Pai-nosso” – Frei Betto

 

 

 

“Oração do Pai-nosso”

 –  Frei Betto (*)

 

 

“Pai-nosso que estais no céu,

e sois nossa Mãe na Terra,

amorosa orgia trinitária, criador da aurora boreal

e dos olhos enamorados que enternecem o coração,

Senhor avesso ao moralismo desvirtuado

e guia da trilha peregrina das formigas do meu jardim,

 

Santificado seja o vosso nome gravado nos girassóis

de imensos olhos de ouro, no enlaço do abraço

e no sorriso cúmplice, nas partículas elementares

e na candura da avó ao servir sopa,

 

Venha a nós o vosso Reino

para saciar-nos a fome de beleza

e semear partilha onde há acúmulo,

alegria onde irrompeu a dor,

osto de festa onde campeia desolação,

 

Seja feita a vossa vontade

nas sendas desgovernadas de nossos passos,

nos rios profundos de nossas intuições,

no vôo suave das garças e no beijo voraz dos amantes,

na respiração ofegante dos aflitos

e na fúria dos ventos subvertidos em furacões,

 

Assim na Terra como no céu,

e também no âmago da matéria escura

e na garganta abissal dos buracos negros,

no grito inaudível da mulher aguilhoada

e no próximo encarado como dessemelhante,

nos arsenais da hipocrisia

e nos cárceres que congelam vidas.

 

O pão nosso de cada dia nos dai hoje,

e também o vinho inebriante da mística alucinada,

a coragem de dizer não ao próprio ego

e o domínio vagabundo do tempo,

o cuidado dos deserdados

e o destemor dos profetas,

 

Perdoai as nossas ofensas e dívidas,

a altivez da razão e a acidez da língua,

a cobiça desmesurada

e a máscara a encobrir-nos a identidade,

a indiferença ofensiva e a reverencial bajulação,

a cegueira perante o horizonte despido de futuro

e a inércia que nos impede fazê-lo melhor,

 

Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido

e aos nossos devedores,

aos que nos esgarçam o orgulho

e imprimem inveja em nossa tristeza

de não possuir o bem alheio,

e a quem, alheio à nossa suposta importância,

fecha-se à inconveniente intromissão,

 

E não nos deixeis cair em tentação

frente ao porte suntuoso dos tigres

de nossas cavernas interiores,

às serpentes atentas às nossas indecisões,

aos abutres predadores da ética,

 

Mas livrai-nos do mal,

do desalento, da desesperança, do ego inflado

e da vanglória insensata,

da dessolidariedade

e da flacidez do caráter,

da noite desenluada de sonhos

e da obesidade de convicções inconsúteis,

 

Amemos”.

 

(*) FONTE:: http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_noticia=11284&cod_canal=53,

acesso: 11-12-2008.

 

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Uma resposta a “Pai-nosso” – Frei Betto

  1. robson diz:

    Muito bom Padre,formidável o texto;reflexivo,indiscutível o(s) pensamento(s) desse autor.Abraço!Robson (blog Linguagens & Rotina).

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